As mãos que oram e trabalham.

“As mãos que trabalham valem tanto quanto as mãos que oram. Ou até mais”.


O ensinamento do padre belga Tiago Theisen, de 84 anos, deixa bem claro por que ele resolveu ir além do falatório na sua missão evangelizadora na periferia de Natal, iniciada em 1968, para dedicar-se a ações comunitárias de educação. Já a opção por trabalhar  com crianças nos primeiros anos de vida foi uma decisão que teve a ver com o que aprendeu sobre genética na Université Catholique de Louvain (UCL), na Bélgica, em 1960, quando tinha, então, 30 anos.

Descobri que o desenvolvimento máximo do cérebro humano se dá dos 2,5 aos 3 anos de idade. É nessa fase que a criança tem que começar a estudar, pois a partir dos 4 anos seu potencial intelectual já começa a murchar e não se recupera mais. É como plantar feijão no mês de maio. Tem que ser em março, ou então perde-se grande parte da safra”, compara o padre, que no início dos anos 70 começou a por em prática seu ideal, construindo no bairro de Igapó, zona Norte, a escola Pinóquio, o primeiro dos 34 jardins de infância criados por ele em várias comunidades da periferia de Natal e também fora dos limites da capital potiguar.

Atualmente, apenas três – o Pinóquio, o Bem-me-quer, na comunidade de Olho D’água, em Extremoz, e o Cravina II, na localidade de Santa Luzia, em Igapó – continuam em atividade. “Os outros foram fechando porque os padres que vieram depois tomar conta das paróquias acharam que as escolas eram perda de tempo”, diz o religioso, que não só pensa o contrário, como se diz feliz e realizado por ver que sua tese estava certa, tamanha foi a transformação que o projeto operou na vida de milhares de crianças pobres.

Chegamos a atender 40 mil alunos e hoje estamos colhendo os frutos plantados quatro décadas atrás. São centenas de cidadãos que saíram da periferia e ingressaram no ensino superior. Tem engenheiro, médico e até docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como Carlos Chesman, professor de Física Quântica”, cita o padre. 

Todo o trabalho desenvolvido pelo religioso com as crianças das regiões Norte e Oeste de Natal, além de outras importantes atividades comunitárias, estão registradas no livro “Padre Tiago: Obras sociais que contribuíram para a transformação de uma sociedade”. O lançamento é nesta segunda-feira, 27, às 19h30, no Sesc Ler Zona Norte, exclusivamente para convidados.  

Patrocinada pelo Sistema Fecomércio por meio do Sesc e organizada pela especialista em gestão de empresas e pessoas Rita de Cássia Bento de Almeida, gestora do Sesc Ler Zona Norte e autora também da biografia do padre Tiago, de 2010, a publicação relembra, em fotografias,  depoimentos e recortes de jornais, toda a trajetória do religioso em Natal e seu marcante trabalho comunitário, desenvolvido durante 47 anos. 

Na casa onde mora no bairro do Bom Pastor, na zona Oeste, ele próprio nos conta parte dessa história e por que decidiu se dedicar ao trabalho com as crianças da periferia de Natal. “Eu chego aqui, vindo da Bélgica, onde todos os meninos e meninas estudam, e encontro um quadro que jamais tinha visto – gente passando fome, morrendo à míngua, falta de medicamentos. Optei pelas crianças para fazer um trabalho de longo prazo”, conta.

Ao explicar sua escolha pela  ação, em vez somente da evangelização pela palavra, Tiago Theisen faz a seguinte reflexão: “O inferno é pavimentado de boas intenções e de teorias, e até de planejamento. O mundo sem trabalho não gira. O general precisa de soldado; o arquiteto, de pedreiro; o maestro, de músico. Posso ter uma receita de 200 tortas mas se não faço nenhuma, do que adianta? Posso compor música, uma ópera maravilhosa, mas, se ficar no papel, ninguém toca, ninguém ouve. É preciso fazer e compartilhar.”

Fonte: Tribuna do Norte


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